Ação na Justiça levanta suspeitas sobre contratos de R$ 10 milhões nas gestões de Arlindo Dantas e Zé Figueiredo.
Um grupo de vereadores de São José de Mipibu, na Grande Natal, apresentou à Justiça na semana passada a denúncia de um suposto esquema de corrupção envolvendo a compra de quentinhas pela prefeitura da cidade. Os contratos sob suspeita totalizam quase R$ 10 milhões, pagos a partir de notas fiscais supostamente superfaturadas.
De acordo com a denúncia, o esquema tem como mentores o ex-prefeito Arlindo Dantas e o filho dele Fábio Dantas – que também foi vice-governador do Rio Grande do Norte. Ligado politicamente aos dois, o atual prefeito e pré-candidato à reeleição, Zé Figueiredo, teria dado continuidade aos desvios após a assumir a gestão municipal, em 2021.
Os vereadores indicam que tudo começou em 2016, ano em que Arlindo Dantas foi reeleito prefeito de São José de Mipibu. Segundo a Ação Popular, naquele ano licitações da prefeitura começaram a ser direcionadas para uma empresa de Márcio Pereira Fernandes (conhecido como Márcio Santino), tio do então vereador Jota Veras – que foi secretário da atual gestão de Zé Figueiredo até o início deste mês, quando entregou o cargo para ficar apto a disputar as eleições de 2024.
A denúncia aponta que, inicialmente, Arlindo Dantas e Jota Veras se uniram para direcionar contratos do Município para uma empresa de Márcio Santino que prestava serviços na área de informática. Logo depois, contudo, Márcio Santino e sua esposa, Gilmara Alves dos Santos, abriram mais dois negócios na área de alimentação (venda de quentinhas) para concentrar contratos mais volumosos.
“Dessa forma, o empresário Márcio Santino abriu uma nova empresa para que pudesse concorrer com licitações em que seus valores fossem mais altos e lucrativos, no sentido de desviar dinheiro para financiar possíveis eleições, como foi o caso do seu próprio sobrinho que participou das eleições de 2016, sendo eleito vereador da cidade de São José de Mipibu, e também ajudando financeiramente a eleições do então prefeito Arlindo Duarte Dantas, que foi reeleito nesse período”, afirma trecho da denúncia, obtida pelo AGORA RN.
As empresas de Márcio Santino e de Gilmara são a GM Serviços de Alimentação, a Gilmara Alves de Macedo dos Santos – ME e a Mérito Serviços e Telecomunicações. Ao todo, essas empresas conquistaram contratos com a prefeitura de mais de R$ 9,7 milhões.
A denúncia narra que houve fraude na escolha dessas empresas para a prestação dos serviços através de licitações manipuladas. Outras empresas eram assediadas para abrir mão das concorrências públicas em troca de serem “recompensadas financeiramente”. Além disso, as empresas já escolhidas foram contempladas com aditivos (acréscimos na contratação original).
Uma peça importante da engrenagem seria Maurício José Gomes de Melo, secretário-geral da prefeitura. Ele seria responsável por dar legalidade ao processo, inclusive prorrogando contratos através de convites e aditivos aos processos de licitações. Além dele, a pregoeira Arialda Helena do Carmo Martins seria a responsável por organizar todos os pregões e dar uma imagem de que todo o processo licitatório ocorria dentro da legalidade.
Contratos superfaturados no valor e na quantidade
Os maiores contratos estão concentrados na GM Serviços de Alimentação. Para os denunciantes, a empresa emitiu “notas superfaturadas com o propósito exclusivo de desviar muito dinheiro”. A comercialização de quentinhas para a prefeitura facilitaria a arquitetura do esquema. Como se tratam de itens perecíveis, a fiscalização sobre a entrega efetiva do que foi contratado fica mais difícil de ser realizada.
A Ação Popular apresentou cópias de contratos que, segundo os denunciantes, evidenciam a fraude. Um deles prevê a aquisição de nada menos que 30 mil quentinhas só para “servidores em horário estendido”. Em outro, são 25 mil lanches comprados. Para se ter uma ideia do volume de refeições e da desproporção do contrato, a cidade de São José de Mipibu tem, ao todo, 47 mil habitantes, de acordo com o último Censo.
“A quantidade de quentinhas produzidas até hoje pela empresa é capaz de, sem dúvida nenhuma, dar uma volta inteira ao redor do território municipal, fato que é comentado aos quatro cantos da cidade”, afirmam os vereadores na denúncia.
“Em nenhuma gestão pública se vê duas empresas serem vencedores em tantos procedimentos licitatórios e com objetos tão distintos. E mais, num município situado na Grande Natal, onde existem inúmeras empresas que prestam o mesmo serviço. Entretanto, os maiores vencedores dos procedimentos licitatórios são as empresas aqui citadas”, destaca a Ação Popular.
Além da grande quantidade de refeições compradas, chama a atenção também o valor individual cobrado por cada uma. Em um dos casos, a prefeitura comprou quentinhas por R$ 18,10 cada. Para se ter uma ideia, o AGORA RN encontrou contrato recente da Secretaria Estadual de Saúde Pública (Sesap) para aquisição de quentinhas semelhantes por um valor bem menor: R$ 6,49.
Denúncia aponta indícios de lavagem de dinheiro e vida luxuosa de empresários
A Ação Popular também aponta indícios de lavagem de dinheiro. Segundo os vereadores que levaram o caso à Justiça, Márcio Santino e sua esposa Gilmara abriram um restaurante, o Palladares Gastrobar, “para lavar o dinheiro recebido” do suposto esquema ilícito instalado na Prefeitura de São José de Mipibu.
“Pois, como as quentinhas eram feitas no fundo de suas cozinhas, a estrutura viria para dar aparência de legalidade, haja vista que nem se tinha estrutura para estoque de mercadorias, pois estamos falando de valores que chegam à casa dos significantes R$ 10 milhões. Dessa forma, a empresa teria que ter uma grandiosa estrutura de estoque de mercadorias”, enfatiza a denúncia.
Além disso, os vereadores apontam que os empresários beneficiados pelo esquema de corrupção levam uma “vida de luxo”, ostentando seus ganhos nas redes sociais. Márcio Santino, inclusive, seria também dono de uma academia de luxo em São José de Mipibu, além do Palladares Gastrobar.
Quem é quem no esquema?
O esquema criminoso denunciado na Ação Popular teria a participação de ao menos 10 pessoas. São eles:
Fábio Dantas: Filho do ex-prefeito Arlindo Dantas, apontado como “mentor operacional” do esquema, sendo “o grande maestro intelectual e beneficiário do sistema”.
Arlindo Dantas: Ex-prefeito, mentor do esquema.
Zé Figueiredo: Atual prefeito, teria dado continuidade ao esquema.
Jota Veras: Ex-vereador e ex-secretário de Desenvolvimento Econômico da gestão Zé Figueiredo. Além de indicar o tio para receber os supostos contratos fraudulentos, teria sido beneficiado com financiamento para candidaturas a vereador.
Márcio Pereira Fernandes (Márcio Santino) e Gilmara Alves de Macedo dos Santos: “Criadores das empresas que ganharam as licitações e responsáveis por lavar o dinheiro comprando imóveis, construindo casas em praias e abrindo academia e restaurante para lavar o dinheiro”.
Maurício José Gomes de Melo: Secretário-geral da Prefeitura de São José de Mipibu. Conforme a Ação Popular, “responsável por dar legalidade ao processo, inclusive prorrogando contratos através de convites e aditivos aos processos de licitações já ganhos pelas empresas citadas”.
Arialda Helena do Carmo Martins: Pregoeira da Prefeitura de São José de Mipibu, segundo a denúncia, “responsável por organizar todos os pregões e dar uma imagem de que todo o processo licitatório ocorria dentro da legalidade, chamando as empresas concorrentes para fazer os acordos para que ganhasse os pregões a empresa de Márcio Santino e Gilmara;
Alexandre Dantas: Filho do ex-prefeito Arlindo Dantas e ex-secretário de Saúde, pasta que, segundo a denúncia, mais desviou recursos e que dava a maior vazão para os gastos.
Thazia Thaiane de Souza Varela: Filha do atual prefeito Zé Figueiredo e chefe de gabinete da Prefeitura. A denúncia aponta que ela é o principal elo entre o prefeito e os demais servidores envolvidos no esquema de desvio de verbas, através das licitações.
Quem apresentou a denúncia?
A denúncia é apresentada por um conjunto de sete vereadores. São eles: Crisóstomo, Daniel Ferreira, Janete Paiva, Júnior de Kerinho, Kélia Serafim, Lula de Laranjeiras e Zé Lúcio. A ação foi distribuída para a Vara Única da Comarca de São José de Mipibu e aguarda deliberação do Poder Judiciário. Se condenados, os réus podem ter de ressarcir os cofres públicos por danos causados ao erário.